Este blog é dedicado à minha fonte de inspiração - minha filha, Sarah Emanuelle.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Relato de Parto de Shana, Sassá e Anahí por Adelise Noal


ANAHÍ – Linda Flor


Por Adelise Noal (médica-parteira)
“A adoração da lua é a adoração dos poderes criativos e fecundos da natureza e da sabedoria que é inerente ao instinto e à harmonia com a lei natural.” M. Esther Harding
Nesta introdução lembro do trabalho médico. que realizo há quase 30 anos, cuidando das mulheres e seus desejos de engravidar até chegar ao estado de gestante. Na sequencia, a preparação da gravidez até seu ponto principal que é o trabalho de parto. Muitas destas mulheres tive a alegria de poder participar de seus partos, visto que , como médica podia estar presente no ambiente hospitalar.

Esta atividade tomou um novo rumo desde que ingressei na classe das parteiras do Santo Daime, com a posterior benção da madrinha Cristina, uma das mais respeitadas parteiras da comunidade do Céu do Mapiá, no estado do Amazonas, quando fui até Curitiba entrevistá-la sobre seu ofício de parteira, em 2004.
Nem sempre publico meus relatos, somente aqueles que considero terem um desenvolvimento que pode servir de guia para outras mulheres se colorarem internamente no caminho de entrega ao fluxo natural, em sua experiência do partejar. Confiar com coragem, pois o nascimento é a vivência da encarnação de um poderoso arquétipo, nossa identidade humana.
Parto em casa
Nascer como morrer é um processo, temos que percorrer a linha do tempo e observar seus sinais. Uma rosa, um beija-flor, uma oração, detalhes… Olhar atento nos desdobramentos, percurso circular da roda da vida.
Shana, Sassá, nascimento de Anahí.
Shana, doula e professora de Ioga para gestantes, lutou pelo direito de ter seu bebê em casa. Durante a gestação fez vacinação para prevenir herpes vaginal e a partir de 36 semanas iniciou uso de medicamento profilático anti viral, pois a presença do vírus impediria o parto vaginal.
Ponto inicial… 39 semanas de gestação, 23 de setembro, domingo de primavera em Porto Alegre no hemisferio sul.
Primeiro período do trabalho de parto.
A dor é um estudo fino. Dor que rasga as entranhas… todas sabemos que doe, mas a experiência imediata é ímpar, só se descobre ao vivenciá-la, representa o primeiro grande desafio. Pequenos intervalos contados em minutos que vão ganhando intensidade e frequência, tendo que suportá-la por horas, enquanto avança a dilatação.
Grande koan do primeiro período do trabalho de parto: a dor.
Hora de acessar a ancestralidade feminina, enfrentar a dor, ir além dela. Questões vindas de estruturas moleculares da matéria corpórea, emergem sob a forma de dor, vem em círculos descendentes enquanto o útero se contrae e se dilata no desenrolar da expressão instintiva. A mulher precisa entender o que está acontecendo e se colocar a cada momento na posição correta de forma espontanea. Um alinhamento caleidoscópico. Dores, cores, sons se misturam em sensações. A dor precisa ser compreendida e aceita, assim é possível encontrar maneiras de suportá-la e superá-la. Como no mito de Ísis, deusa lunar, a mulher entra no barco da deusa e viaja com ela pelas enchentes, nas águas torrenciais até a região do sol. Deste modo, sentir o calor de suas próprias emoções. A intensidade das emoções que queimam o corpo, precisam ser aprendidas, testando seus limites.
No livro Os Mistérios da Mulher de M. Esther Harding, ela expõe:
"Para achar os limites ou fronteiras da própria natureza e para chegar a saber os princípios impessoais que realmente governam nas profundezas da psique, é necessário que se explorem as próprias capacidades ao máximo. É aqui que a iniciação no templo tem seu lugar, pois, no serviço à deusa, no domínio de Eros, a experiência emocional não é obstruída pelas restriçoes. de qualquer ordem. No templo da deusa o ser humano, homem ou mulher, está defrontado consigo mesmo, seu próprio instinto, sua própria emoção. Precisa experimentar-se ao máximo.”

É preciso transpor os mecanismos da matéria e elevar a mente a uma instância espiritual. A via instintiva e a via arquetípica se interpenetram na progressão do tempo. Jung compara o arquétipo manifestado, encarnado, com a passagem da luz através de um prisma que vai decompô-la em cores. No seu aspecto ultra violeta corresponde ao arquétipo, na sua expressão espiritual e em sua porção infravermelha o instinto, sua expressão material. Os dois polos compõem a frequência luminosa.
A primeira parte do trabalho de parto é a entrada da mulher no prisma de luz. Quando ela chega no segundo período do trabalho, a mente racional já se desfez e o que existe é uma fêmea mamífera, parindo seu filhote. A vivência arquetípica está no máximo da intensidade. Aqui se entra em um novo estudo, a passagem pelas espinhas ilíacas, arcabouço ósseo em forma de caverna, a porta estreita que mãe e bebê têm que ultrapassar. A chave que abre esta porta é um segredo profundo. “… este segredo profundo, está em toda humanidade…” É a flor das águas, como diz o hino de mestre Irineu. Estrela d água!
Depois que a porta abre, mais um desafio; a passagem final pelo assoalho muscular perineal. É preciso soltar, relaxar em meio a dor, em meio a tudo, sem racionalidade alguma. Ser guiada pelas mãos da própria natureza intrínseca.
Assim o último portal se descortina no coroamento de todo o processo, surge a cabeça do novo ser. Vista do lado de fora, isto é, no períneo, como uma coroa. Neste parto ela esteve presente por mais de 5 contrações expulsivas. Auxilío na saída, manobras obstétricas…
A posição encontrada por Shana foi na beirada de sua cama, com os pés apoiados nas minhas pernas, o pai dando o apoio nas suas costas e eu sentada em sua frente. Anahí nasce no ar, minhas mãos e braços foram sua primeira sustentação nesta vida. Desce junto com o líquido amniótico que jorra encima de minhas pernas e pés. As águas profundas que emergem com o novo ser e derramam suas bençãos sobre nós.
Hora do nascimento 1h e17min, apgar 8 no primeiro minuto e 10 no quinto minuto.
Peso 3000 gramas e comprimento 50 cm.
Shana e Sassá não sabiam o sexo do bebê, o que trouxe ao instante um acréscimo de encantamento com a descoberta: é uma menina !!! Como nos tempos antigos quando não se podia saber através de exames o sexo do bebê. Mais um segredo que se revela e o estado alterado de consciência que se fez presente no trabalho é transformado em experiência de êstase. Êstase psicofísicoespiritual.
O ser em completude. Mãe e filha! Pai e filha! Mãe, pai e filha!
Conhecendo… reconhecendo… Momento de puro amor… aprendendo a mamar… aprendendo a ser mãe… aprendendo a ser pai… aprendizado de toda uma vida, de todas as nossas vidas!

parto
Terceiro periodo do parto, saída da placenta. O período expulsivo foi longo, bem como para a placenta: 4 horas de espera paciente segurando o cordão. Calor local, massagem, amamentação até que, tudo pronto. Na observação do períneo foi encontrada uma pequena laceração sem necessitade de sutura. Assim se encerraram os procedimentos que envolveram este parto, ocorreu de forma totalmente natural. Intervenções, somente as que geraram maior estado de abertura ao processo fisiológico, como: massagens, banhos quentes, compressas mornas, acupuntura, liberdade de encontrar posições adequadas à gestante para suportar melhor a dor e auxiliar nas contrações. Conforme os desejos de Shana e Sassá.
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Tempo de duraçao do trabalho de parto: 12 horas, acrescido de contrações dolorosas esparsas nas 24 horas que antecederam ao parto. Tudo em paz e harmonia ao nascer do sol do dia 24 de setembro de 2012. Kin 119, tormenta lunar azul, da onda encantada do espelho branco.
Mais um serzinho que vem ao mundo para atingir uma nova dimensão espiritual. Viva Anahí, bela flor do céu!
“Yin é como uma imagem de madrepérola escondida no recôndito mais secreto da casa” C.G. Jung
obs: participaram deste parto – Shana e Sassá, Adelise Noal (médica-parteira) e Claudete Borges(auxiliar de enfermagem)

(Ao lado, Anahí com 3 meses.)

Fonte: PartoAlegre

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